domingo, 22 de julho de 2012

Os milagres continuam…

Maria Cláudia Cunha

O conceito de que a mulher nasce com todos os óvulos de que poderá dispor durante a fase fértil da sua vida está profundamente enraizado e foi um dogma inquestionável durante décadas.
A mulher deixa de produzir ovócitos após o nascimento. Na recém-nascida, cada ovário possui um milhão de folículos primordiais. Todos os meses, em cada ovário, cerca de 20-30 folículos iniciam o seu crescimento mas, devido à ausência de níveis adequados de hormonas, esses folículos degeneram (atrésia). Em consequência, por altura da puberdade, cada ovário já só possui 100.000 ovócitos. Na adolescência, a cada mês, um dos ovários consegue fazer crescer um folículo até aos 2-3 cm, a que se segue a sua ovulação (os ovários alternam a cada mês). Em simultâneo com este ciclo ovárico, a rapariga inicia os ciclos menstruais. A partir dos 28 anos, observa-se uma perda progressiva da capacidade de resposta dos folículos primordiais aos níveis hormonais. Deste modo, o ovário tende a deixar de formar folículos maduros, dando origem, com uma frequência cada vez maior, a folículos contendo ovócitos imaturos ou a folículos com ovócitos anormais (em morfologia e em estrutura genética), podendo mesmo não ovular, até que se atinge a menopausa por volta dos 50 anos.
Pelo contrário, o homem nasce com células mãe nos testículos e só inicia a produção dos espermatozóides a partir da puberdade. Esta produção mantém-se toda a vida, apesar da concentração, morfologia normal e mobilidade dos espermatozoides tender a diminuir com a idade, geralmente já fora do período reprodutivo.
Desde 2004 que têm sido publicados vários artigos científicos que demonstram a existência de células mãe nos ovários de ratinhos. Essas células podem ser mantidas em laboratório e, quando transferidas para ovários, evoluem para ovócitos morfologicamente normais que após sofrem um processo de maturação regular dão origem a óvulos.
Apesar do cepticismo com que esta ideia foi recebida, a hipótese de células equivalentes existirem também no tecido ovárico da mulher adulta abriria um mundo de possibilidades não só para o prolongamento da sua vida fértil mas também para o tratamento da infertilidade.


Em Março de 2012 foi publicado na revista Nature a prova de existência dessas células.


Enfrentamos agora uma nova onda de questões sobre as quais importa refletir cautelosamente: 

  • Como se irá provar de forma eticamente aceitável que estas células poderão dar origem a embriões viáveis? 
  • Será viável a existência de um banco destas células para suporte dos tratamentos de infertilidade? 
  • Quais serão as consequências do aumento ilimitado da idade fértil da mulher? 


Metodologia
Para testar os resultados em humanos foi adquirido tecido ovárico criopreservado, proveniente de mulheres que procuram cirurgia de alteração de género.
Na camada mais externa do ovário estão situadas as stem cells que a equipa suspeita serem capazes de originar óvulos viáveis. Para isolar e purificar as stem cells do restante tecido ovárico que as rodeia foi usada uma técnica que se baseia no facto de exibirem na sua superfície uma fracção de uma proteína que só se expressa nestas células, a proteína DDX4.
Ao contrário do que acontece nos óvulos maduros onde ela é intracelular, a existência da DDX4 à superfície permite a adição de anticorpos anti DDX4, o que possibilita o seu isolamento. Após ter sido adicionado um marcador fluorescente para que as células sejam facilmente detectadas, elas foram injectadas em tecido ovárico humano que foi posteriormente transplantado para um ratinho vivo. E foi aí que as células fluorescentes deram origem a óvulos humanos novos.
A maturação das stem cells quando são colocadas em contacto com tecido ovárico ficou gravado em filme.


Outra das grandes descobertas deste trabalho é que estas células podem ser mantidas fora do corpo humano podendo dar origem a uma pool de células capazes de gerar um grande número de óvulos. Se este processo for guiado correctamente abre a possibilidade de se poder dispôr de uma fonte ilimitada de óvulos humanos.

Conclusões
As implicações e as potencialidades desta descoberta na saúde reprodutora da mulher são avassaladoras. Todo os procedimentos médicos actuais giram à volta do pressuposto de que o número de óvulos de uma mulher é finito.
No futuro, uma mulher poderá fazer uma biópsia para ser retirada uma amostra de tecido ovárico de onde se poderão isolar estas células e a partir de 1 centena obter 1 milhão…
Se se conseguir chegar ao ponto de gerar óvulos funcionais fora do corpo humano, isto levará a uma alteração profunda de toda a reprodução medicamente assistida.


Bibliografia


Johnson J. et al. Germ line stem cells and follicular renewal in the postnatal mammalian ovary. Nature. March, 2004. Vol 428: 145-50 

Zou K. et al. Production of offspring from a germline stem cell line derived from neonatal ovaries . Nat. Cell Biol. May, 2009; 11(5):631-6. 

Powel, K. et al. Egg making stem cells found in adult ovaries. Nature. March, 2012. Vol 483:16 

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