segunda-feira, 16 de abril de 2012

Lesões inflamatórias a longo prazo na radioterapia

Manuel Pereira

A radioterapia consiste numa técnica em que, através do recurso a radiações ionizantes, procura-se a eliminação de células neoplásicas, por ionização dos átomos da cadeia de ADN, que conduz à formação de radicais livres, e consequente destruição do ADN mutado e apoptose celular. A sua utilização extende-se aos mais diversos tipos de neoplasias, com diferentes localizações, sendo que aproximadamente 2/3 dos pacientes com neoplasias realizaram tratamento com radioterapia durante o seu processo de doença (de acordo com Gallet et al, 2011).

Figura 1 – aparelho de radioterapia

Contudo, o tratamento radioterápico vive num constante paradoxo: atingir resultados de sucessos no tratamento de neoplasias pode aumentar o número de pacientes com risco de desenvolverem lesões relacionadas com a exposição a radiação.

Aquando da realização de um tratamento com radioterapia, diversos factores são tidos em conta no sentido de evitar lesões dos tecidos adjacentes. Estes factores incluem:

- os padrões de invasão da neoplasia.

- a cobertura da área total da neoplasia.

- posição do paciente para cada uma das sessões de radioterapia

- actividade do tumor durante a sessão.

De referir que o critério major para a eficácia do tratamento da radioterapia consiste na tolerância dos tecidos saudáveis adjacentes à neoplasia. Desta forma, a compreensão dos mecanismos de lesão dos tecidos constitui um passo importante de forma a optimizar a tolerância destes aos tratamentos e desenvolver novos métodos de reparação tecidular.

Após o tratamento por radioterapia, são distinguidos dois tipos de lesões face ao período de tempo que antecede o seu aparecimento: precoces e tardias.

Os princípios gerais de lesão tecidular por acção de radiações começa no momento após a exposição à radiação, embora as manifestações clínicas e histológicas possam aparecer apenas semanas ou até meses mais tarde. Até às 6 semanas, as alterações detectadas são de gravidade média, mas após 6 meses tendem a ser muito mais gravosas, estando a evolução entre as 6 semanas e os 6 meses dependente da susceptibilidade individual face à exposição a radiação.


Figura 2 – Lesões precoces e tardias por acção de radioações ionizantes (radioterapia)

Os efeitos tardios emergem meses ou anos após a exposição. Com o auxílio de processos moleculares, os conceitos de precoce e tardio passam a ganhar novos contornos.

O facto de um efeito ser precoce ou tardio tem por base o tipo de tecido analisado, sendo que os tecidos que proliferam mais rapidamente tendem a expressar alterações de foro agudo, enquanto que os tecidos com proliferação mais lenta tendem a manifestar lesões mais tardiamente.

Entre as alterações tardias, tendem a ocorrer em tecidos com turnover mais lento, como os musculos, pele, cérebro. As lesões mais comuns encontradas nestes tecidos são a depleção celular com necrose, fibrose, alteração e dano vascular.

O processo de lesão tardio ainda não se encontra bem compreendido. Com base nesta premissa, 2011 foi um ano que permitiu uma melhor compreensão do mecanismo tardio de lesão tecidular por efeito da radioterapia.


Figura 3 – Artigo em análise

Uma equipa de investigadores concentrou os seus esforços na análise de variações de citocinas e factores de crescimento envolvidos nas interacções celulares durante a degeneração tecidular induzida pela radioterapia em tecidos com propensão a lesões tardias, neste caso, a pele e o músculo estriado esquelético. Partindo do modelo de lesão tecidular e de interacção entre os diversos mediadores, estudou-se a consequência dessas interacções nestes dois tecidos.

Figura 4 – Mecanismo de lesão tecidular por acção de radiações ionizantes e comportamento dos diversos mediadores.

Este estudo decorreu durante 12 meses, utilizando 24 ratos adultos, preservados em ambiente com temperatura e humidade controlados, alimentados com uma dieta comercial e fornecida água ad libitum. Os ratos foram divididos em três grupos de 8 e expostos a radiações de cobalto 60, com doses simples de 30Gy. Posteriormente, os ratos foram eutanasiados em diferentes períodos: o primeiro grupo às 6 semanas, o segundo grupo aos 6 meses e o terceiro ao fim de 1 ano. Estes períodos correspondem aos timings nos quais foram anteriormente observadas alterações histológicas, com lesão tecidular. As lesões tecidulares monitorizadas para avaliação foram inflamação, fibrose, alterações vasculares e depleção celular.

Face à susceptibilidade genética do paciente, assim como a características do tratamento radioterápico em si, os diferentes parâmetros possuem mecanismos de lesão próprios:

- parcialmente, a resposta tecidular à radiação está relacionada com a produção de citocinas, que conduz a uma resposta adaptativa no tecido circundante e infiltração celular.

- a inflamação resulta um processo de libertação de mediadores inflamatórios, que activarão as vias de inflamação.

- a fibrose resulta de dano vascular e libertação de citocinas vasoactivas, que conduzem ao extravazamento de fibrina para os tecidos, ocorrendo deposição de colagénio.

- as alterações vasculares advêm da adesão de leucócitos nas células endoteliais e da origem de trombos, que podem bloquear o lúmen vascular, podendo crescer durante a regeneração celular. Este mecanismo pode levar a perda de células e alterações vasculares.

No sentido de verificar o grau de lesão existente, recorreu-se a uma escala, graduada entre 0 (sem alteração) e 3 (alteração severa), para avaliação histológica dos tecidos musculares e cutâneos.


Figura 5 – Escala de gravidade de lesão na pele e músculo estriado esquelético por acção das radiações ionizantes.

Os valores dos diferentes parâmetros são obtidos de acordo com características específicas:

- a inflamação é avaliada com base nas observações de infiltrados de células inflamatórias em preparações tecidulares de hematoxilina-eosina.

- a fibrose é avaliada de acordo com a sua intensidade e alteração das estruturas tecidulares em preparações tecidulares com sirius-red.

- as alteraçõees vasculares são avaliadas de acordo com o número e grau de alteração de estruturas vasculares em preparações tecidulares com FVIII e sirius-red.

- as alterações celulares são avaliadas em preparações de hematoxilina-eosina, a nível da pele (necrose celular e presença de miofibroblastos) e do tecido muscular (presença de células com núcleos distróficos e necrose celular).

As observações histológicas demonstraram-se esclarecedoras na medida em que permitiram comprovar a existência de um maior grau de gravidade de lesão tecidular nos períodos mais avançados, sobretudo ao final de um ano. Como demonstra o gráfico seguinte, apesar de existirem oscilações, o grau de lesão tende a aumentar com o tempo, tanto a nível do tecido cutâneo, como do tecido muscular.


Figura 6 – Evolução das lesões por inflamação, fibrose, vasculares e celulares ao longo do tempo na pele e no músculo estriado esquelético.


A nível da pele, observa-se que:

- a fibrose é predominantemente de grau 2 ao longo do tempo, ou seja, nos cortes histológicos, observam-se modificações estruturais da pele, com fibrose moderada.


Figura 7 – grau 2 de lesão por fibrose na pele


- na inflamação observam-se diversos graus de lesão, oscilando entre os graus 1(esquerda) e 2 (direita).


Figura 8 – graus 1(esquerda) e 2 (direita) de lesão por inflamação na pele.


- na alteração vascular, tal como a inflamação, observam-se lesões entre os graus 1 (esquerda) e 2 (direita).


Figura 9 – graus 1(esquerda) e 2 (direita) de alterações vasculares na pele.


- no que concerne à depleção celular, embora decrescente no tempo, o grau de lesões observadas varia entre 1 (esquerda) e 2 (direita).


Figura 10 – graus 1(esquerda) e 2 (direita) de depleção celular na pele.

Já a nível do musculo estriado esquelético, observa-se que:

- as lesões por fibrose variam entre os graus 1 (esquerda) e 2 (direita), observando-se uma subida acentuada ao fim de 1 ano da quantidade de tecido fibroso existente.


Figura 11 – graus 1(esquerda) e 2 (direita) de lesão por fibrose no músculo estriado esquelético.


- as lesões inflamatórias, sem expressão ao fim de 6 semanas, aumentam ao fim de um ano, para um grau de lesão entre 1 (esquerda) e 2 (direita).


Figura 12 – graus 1(esquerda) e 2 (direita) de lesão por inflamação no músculo estriado esquelético.


- as alterações vasculares variam no seu grau de lesão entre ligeiramente superior a 0 (esquerda) ao fim de 6 semanas e superior a 1 (meio – grau 1 e direita – grau 2) ao fim de 1 ano.


Figura 13 – graus 0(esquerda), 1 (centro) e 2 (direita) de alterações vasculares no músculo estriado esquelético.


- a depleção celular não apresenta expressão ao fim de 6 semanas; contudo, o seu valor aumenta exponencialmente ao fim de 1 ano, existindo um caso de score 3, embora predomine o grau 2.


Figura 14 – graus 2(esquerda) e 3 (direita) de depleção celular no músculo estriado esquelético.

Uma vez compreendidas as alterações histológicas e suas variações temporais, complementou-se esta informação com o comportamento dos mediadores pró-inflamatórios, pró-fibróticos, pró-angiogénicos e citocinas mobilizadoras de celulas estaminais nos tecidos analisados e respectivas lesões. De entre os diversos mediadores analisados, ressalva-se o comportamento de alguns. Comum a outros estudos, o TGF-b1 (proteína pertencente à família TGF, cuja função é controlar a proliferação celular, limitando-a), presente em todo o período do estudo, encontra-se relacionado com as alterações histológicas descritas, uma vez que a diminuição da sua concentração está relacionado com a existência de patologias fibroproliferativas. Um outro mediador importante consistiu na IL-2 (interleucina que é responsável pela maturação dos linfócitos B e das células T), cujas variações a nível de inflamação, fibrose e depleção celular se encontravam directamente relacionadas com este mediador, observando o aumento do seu valor ao longo do tempo.

Sendo a hipóxia um aspecto fundamental na degeneração tecidular, o mediador pro-angiogénico VEGF encontra-se alterado, estando aumentado, o que promoveria a revascularização. Contudo, o seu aumento não teve impacto, uma vez que foram comprovadas histologicamente alterações na parede vascular e diminuição da vascularização. Tal facto conduziu à formulação da hipótese de que este mediador pode contribuir para o aumento da permeabilidade vascular, perpetuando o seu comprometimento.

Um aspecto final prende-se com o factor mobilizador de células estaminais, uma vez que os tecidos irradiados procuram a sua mobilização no sentido de se regenerarem os tecidos lesados, seja por radiação ou pela hipóxia consequente.


Conclusões

Os resultados alcançados permitem redefinir a complexidade das alterações induzidas por radioterapia na rede dos mediadores inflamatórios. O facto da radioterapia ter influência nestes domínios permite questionar quais os riscos associados, a longo prazo, para os pacientes submetidos a este tratamento. Seria de interesse realizar o acompanhamento dos mesmos nos períodos analisados, de forma a garantir a sua recuperação total e despistar efeitos tardios induzidos pela radioterapia.

A radioterapia consiste numa técnica em que, através do recurso a radiações ionizantes, procura-se a eliminação de células neoplásicas, por ionização dos átomos da cadeia de ADN, que conduz à formação de radicais livres, e consequente destruição do ADN mutado e apoptose celular. A sua utilização extende-se aos mais diversos tipos de neoplasias, com diferentes localizações, sendo que aproximadamente 2/3 dos pacientes com neoplasias realizaram tratamento com radioterapia durante o seu processo de doença (de acordo com Gallet et al, 2011).