quarta-feira, 4 de julho de 2012

Células Estaminais do Cordão Umbilical e o Tratamento de Doenças - A Polémica

Tiago Borges Baptista


A polémica estalou em Maio deste ano quando uma empresa de Criopreservação portuguesa lançou uma campanha publicitária que chocou o país e gerou uma onda de protesto e revolta de vários quadrantes político-sociais.


Na spot televisivo a empresa faz várias alegações que foram contestadas científica e eticamente, dado o estado atual da arte no que concerne a Células Estaminais do Sangue do Cordão Umbilical (CECH). A polémica estalou na imprensa:


E a empresa num primeiro momento, reiterou que não retiraria a campanha:


Não obstante, dadas as pressões cada vez mais intensa a campanha foi retirada:


Mas afinal quem tem razão? O que diz o estudo em que essa empresa se baseou para reiterar estas conclusões? Qual é o estado atual da arte no transplante baseado em CECH? Qual a realidade portuguesa? Foi a estas questões que este artigo tentou responder.
O estudo americano de 2008 em que a empresa se baseou sublinha que:

  • Incidência de Patologias tratáveis por transplante de células estaminais hematopoiéticas (as CECH são hematopoiéticas juntamente com outras de outras fontes, considerando-se as células da medula óssea (CMO) o "padrão de ouro" para comparações entre fontes) aumenta com a idade, especialmente após os 40 e mais no sexo maculino.
  • A probabilidade na vida de um indivíduo este necessitar de um transplante com recurso a células hematopoiéticas varia entre 0.23% - 0.98% (em 2008 e nos EUA).

Como termos de comparação, decidiu-se analisar um outro artigo também de 2008 numa revista da especialidade (Stem Cells), que compara diversos parâmetros celulares úteis no transplante e cultura de células entre as CECH e as CMO. As principais conclusões deste estudo foram:
  • Células do Cordão Umbilical  (CCU) demonstram grande potencial proliferativo, especialmente fenótipo osteogénico, isto é, o potencial proliferativo é mais alto nas CCU que nas CMO - especialmente em diferenciação osteogénica
  • As CCU são capazes de diferenciação:
    • Osteogénica
    • Condrogénica
    • Adipogénica
  • As CCU expressam mais CD146 que as CMO (parâmetro que mede a maleabilidade de transfeção celular)

Por último junta-se à discussão as diretivas da Sociedade Portuguesa de Células Estaminas e Transplantes Celulares e a sua posição pública que sobre CECH:
A utilização de células estaminais do cordão tem, à luz dos conhecimentos científicos atuais, uma utilidade restrita a um conjunto de patologias altamente especifico. Daqui resulta que se estime atualmente que a utilização pelo indivíduo das suas células criopreservadas poderá ocorrer em aproximadamente em 1 em cada 20.000 casos.
(todo o comunicado aqui: http://www.spce-tc.org  )

Em conclusão, não há evidências científicas suficientes que permitam afirmações tão fortes como as presentes naquela campanha de Maio acima referida:

  1. Porque (embora muito promissoras) não é verdade que as CECH sejam as únicas fontes de recurso no caso de necessidade de um transplante baseado em células hematopoiéticas, o que desvirtua imediatamente os números de incidência apresentados no spot televisivo.
  2. O spot televisivo tenta transportar dados estatísticos americanos e datados de 4 anos para a realidade portuguesa sem qualquer tipo de cuidado de adaptação.
  3. A campanha, mesmo que não carecesse de sólida científica, é marcada por um cariz especulativo e emocional muito reprovável eticamente, por apelar ao sentimento de culpa de pais e de crianças, especulando sobre a possibilidade de estas adoecerem ou não.
Se quiser ler mais sobre a conclusão do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP): 


Referências

Comparison of Proliferative and Multilineage Differentiation Potential of Human Mesenchymal Stem Cells Derived from Umbilical Cord and Bone Marrow
Dolores Baksh, Raphael Yao and Rocky S. Tuan
2007;25;1384-1392; originally published online Mar 1, 2007;  Stem Cells
DOI: 10.1634/stemcells.2006-0709

Lifetime probabilities of hematopoietic stem cell transplantation in the US
J. J. Nietfeld, Marcelo C. Pasquini, Brent R. Logan, Frances Verter and Mary M. Horowitz
Biol Blood Marrow Transplant. 2008 March ; 14(3): 316–322. 
DOI: 10.1016/j.bbmt.2007.12.493.

1 comentário:

  1. Simplesmente fantástico!

    Os meus sinceros parabéns ao autor e aos dos restantes artigos.

    Brilhantismo de elite!

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