sábado, 14 de julho de 2012

Modulação eléctrica e o poder da mente

Nuno Craveiro

O artigo seleccionado para apresentação desta semana, com o título “Corticostriatal plasticity is necessary for learning intentional neuroprosthetic skills”, foi publicado on-line na revista Nature, uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo, em Abril de 2012. Este artigo, co-autorado por um Português, apresenta os resultados de uma experiência bem-sucedida sobre a capacidade do cérebro para controlar sozinho próteses mecânicas.

Iremos perceber ao longo desta noticia de Blog, como os cientistas conseguiram ensinar ratos de laboratório a controlar uma prótese mecânica, cirurgicamente implantada no cérebro dos mesmos.

O objectivo da experiência era colocar cirurgicamente uma prótese mecânica nos “ratinhos” e motivá-los na aprendizagem do controlo da dita prótese. Para isso os cientistas trabalharam uma capacidade do sistema nervoso central (SNC) conhecida como plasticidade. O SNC do ser humano possui cerca de 100 bilhões de neurónios. Estes comunicam entre si através de ligações, sinapses. O mapa de ligações é responsável pelas características e capacidades individuais de cada ser humano. Uma vez estimulados, os neurónios geram impulsos de natureza elétrica e libertam iões e substâncias químicas que ao serem lançadas nas sinapses estabelecem ligações entre eles. A cada novo estímulo, a rede de neurónios reorganiza-se, o que possibilita uma enorme diversidade de respostas. Assim, quando um individuo é exposto a novos estímulos, o SNC tem a capacidade de estabelecer novas conexões ou reorganizar-se e, quando é o caso, aprender novas habilidades. Esta capacidade parte do principio de que o cérebro não é imutável, uma vez que a plasticidade neural permite que uma determinada função do/no SNC possa ser desenvolvida em outro local do cérebro como resultado da aprendizagem ou do treino.

De entre as habilidades, contam-se os movimentos finos e grosseiros. Este artigo mostra que os ratos foram capazes de “aprender” a controlar uma prótese mecânica, que funcionou como uma extensão nova do corpo. A prótese era um ponteiro que apenas se movimentava para a esquerda ou para a direita. E para a controlar os ratos deveriam conseguir iniciar movimentos grosseiros (esquerda ou direita) e posteriormente realizar o controlo “fino” desses movimentos, parando o ponteiro em posições precisas.

Vamos então perceber como isto foi possível:

Animais
Foram utilizados na experiência 6 ratos machos Long-Evans (com peso médio de 250 gramas).


 Fig 1 – Ratos Long-Evans utilizados na experiência


 Próteses mecânica, sua implantação cirúrgica e funcionamento
Foram implantados cronicamente nos cérebros dos ratos 2 electrodos ipsilateralmente. Cada eléctrodo continha 16 micro eléctrodos que foram inseridos nas zonas M1 e DS. A zona M1 corresponde ao córtex motor primário em conjunto com o córtex pré-motor. As craniotomias foram seladas com cianoacrilato e os ratos anestesiados com isoflurano. Foi ainda permitido que os ratos recuperassem da cirurgia durante 10 dias.

Fig 2 – Implantação cirúrgica dos eléctrodos

Os eléctrodos foram inseridos de modo a medirem a actividade da camada V (neurónios piramidais). 


Fig 3 – verificação histológica da implantação dos eléctrodos na camada V (neurónios piramidais)

A informação da actividade e local dos potenciais gerados no córtex foi “lida” pelos eléctrodos e “refinada” através de uma aplicação informática. A aplicação informática “limpou” o ruído presente nos sinais gerados pelos eléctrodos e enviou a informação para um aplicador de sinais que transmitiu os mesmos à prótese mecânica.


A prótese mecânica consistiu em um ponteiro que se poderia movimentar em 2 sentidos (esquerda e direita). O movimento da prótese era dependente da intensidade do potencial gerado no córtex. Para que os ratos conseguissem ter a percepção da sua actividade no córtex cerebral, os sinais amplificados que obrigavam o cursor a movimentar-se foram relacionados ao mesmo tempo com a produção de um som. Assim, potenciais maiores originavam um movimento para a direita e um som agudo e potenciais menores originavam um movimento para a esquerda e um som grave. Quando maior fossem o potencial, maior seria a extensão do movimento do ponteiro (para a esquerda ou para a direita) e ao mesmo tempo maior seria a intensidade do som (agudo ou grave). O som era a única percepção que os ratos tinham sobre as suas acções. Assim, a percepção dos ratos seria antes a capacidade de produzir um som (mais agudo ou mais grave), do que o movimento do ponteiro. Esta foi a forma que os cientistas encontraram para que os ratos tivessem a percepção das suas acções.



Fig 4 – Movimentos do ponteiro e sua associação ao som produzido


A experiência

Os ratos deveriam então controlar a prótese mecânica e para isso deveriam movimentar o ponteiro para a esquerda e para a direita e conseguir parar o ponteiro em locais precisos durante 30 segundos de modo a perceber se o movimento se devia ao acaso ou se era consciente.

O que motivou os ratos a iniciar estes movimentos foi uma recompensa. Assim, sempre que os ratos conseguiam executar o movimento pretendido com sucesso, recebiam uma recompensa. Deste modo, caso conseguissem movimentar o ponteiro com sucesso para a direita e fixá-lo no ponto A durante 30 segundos recebiam uma solução muito doce, caso conseguissem movimentar o cursor para esquerda e fixá-lo no ponto B durante 30 segundos recebiam um “pellet” proteico. De salientar que segundo a percepção dos ratos, eles estariam a executar um som agudo de determinada intensidade (ponto A) ou um som grave de determinada intensidade (ponto B), associando assim as recompensas à capacidade de executar esses sons.

Sendo que os eléctrodos estavam associados ao córtex motor e pré-motor, estes liam potenciais sempre que os ratos se movimentavam. Tendo em conta que os potenciais originavam sons, inicialmente os ratos provocavam um conjunto “caótico” de sons (e movimentos do ponteiro) descordenados. Mas foram percebendo que em determinadas posições (associadas a determinados sons agudos ou graves) recebiam recompensas. Assim, ao final de apenas 3 dias já conseguiam atingir o objectivo e ao final de 10 dias o desempenho era quase perfeito. Isto é perceptível pela figura que se segue que mostra a evolução ao longo do tempo do desempenho dos ratos.


Fig 5 – Resultados – percentagem do número de tentativas correctas em função do tempo de experiência

De modo a perceber que este comportamento não era devido ao acaso, os cientistas desenvolveram vários testes controlo. Assim, deram a todos os ratos a recompensa A (solução doce) até estes a recusarem antes de os submeterem à prova. Deste modo, seria de esperar que os ratos durante a prova apenas quisessem a recompensa B (“pellet”  proteico) e por isso apenas executassem o som grave (ou por outro prisma apenas movimentassem o movimento para a esquerda). Repetiram o teste dando inicialmente a recompensa B de modo a perceber se os ratos apenas iriam “pedir” a recompensa A. Ambos os testes confirmaram que os ratos estavam a executar os objectivos conscientemente.



 Fig 6 – Teste de valorização de recompensas

Em outro teste, os cientistas retiraram ambas as recompensas de modo a perceber se os ratos continuariam a executar os movimentos. Estes deixaram de executar os movimentos quando percebiam que não tinham recompensa. Apenas executavam os movimentos esporadicamente. Quando os cientistas recolocaram as recompensas ao dispor dos ratos, estes recomeçaram a fazer os movimentos objectivados.


Fig 7 – Teste de degradação do estímulo

Os cientistas no final da experiência confirmaram que os ratos atingiram o objectivo inicial da experiência com sucesso e que o faziam de modo consciente. Conseguiam movimentar uma prótese simples, apenas com 2 movimentos possíveis, mas faziam-no de modo a atingir um objectivo secundário que era alimentar-se. Mais, escolhiam a alimentação visto que esta estava ligada a diferentes tipos de movimentos. Esta experiência vem confirmar a capacidade que o cérebro tem para estabelecer novas conexões e com isto conseguir realizar novas habilidades, mesmo que se trate de um “novo” membro como é o caso de uma prótese. Abrem-se assim numerosas possibilidades, apenas descritas em filmes futuristas de ficção científica, como são exemplo o controlo consciente de próteses mecânicas ou a reconstrução de movimentos perdidos devido a lesões da espinal medula ou do cérebro, numa disciplina que irá por certo reunir conhecimentos sólidos da histologia, fisiologia, cirurgia e robótica.


Cada vez mais próximo!!!!  





E assim se finaliza mais uma etapa no Blog Histo é Medicina!!!! Bom trabalho a todos:


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