quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Tecido epitelial pavimentoso e carcinoma orofaríngeo

Linda Costa

O artigo “Case-Control Study of Human Papillomavirus and Oropharyngeal Cancer” do The New England Journal of Medicine, despertou-nos a curiosidade para o tentar compreender, não só do ponto de vista epidemiológico, mas também a nível histológico e biopatológico.

Figura 1- Caso representativo de carcinoma das células pavimentosas orofaríngeas

O referido artigo conclui que a infeção oral por HPV está na etiopatogénese do carcinoma das células pavimentosas da orofarínge. Deste modo, para interpretar estas imagens de um caso representativo de carcinoma das células pavimentosas orofaríngeas, quisemos fazer uma pesquisa.

Mas afinal, o que são células pavimentosas (squamous cells)?

As células pavimentosas são um tipo de tecido epitelial.
O tecido epitelial pode ser classificado da seguinte forma:


Figura 2 – Tipos de epitélio de revestimento

O tecido pavimentoso é composto por células alongadas, com núcleo alongado. Pode ser simples ou estratificado, de acordo com o número de camadas.



Tecido pavimentoso simples
Apresenta apenas uma camada de células, em contacto com a lâmina basal do epitélio, achatadas e alongadas, com núcleo achatado. Pode ter várias funções, como de revestimento, absorção e difusão de moléculas. Reveste os vasos, designando-se endotélio; e as cavidades pleural, pericárdica e peritoneal, designando-se mesotélio.


Figura 3 - Tecido epitelial pavimentoso simples de uma artéria do intestino delgado


Tecido pavimentoso estratificadoComposto por células epiteliais pavimentosas, em múltiplas camadas, sobre a membrana basal. Tem como função: proteção, revestimento e resistência.
Subdivide-se em queratinizado e não queratinizado.
O tecido queratinizado apresenta a camada mais superficial de queratina, que é composta por células anucleadas, e está presente na pele e na língua.

Figura 4 - Tecido epitelial pavimentoso estratificado queratinizado da pele (pé)

O tecido não queratinizado apresenta a camada mais superficial composta por células nucleadas, e está presente na cavidade oral, orofaringe, esófago, traqueia, vagina.

Figura 5 - Tecido epitelial pavimentoso estratificado não queratinizado da orofaringe (amígdalas)


Deste modo, podemos compreender que as células pavimentosas da orofaringe referidas no artigo, reportam ao tecido pavimentoso estratificado não queratinizado. Falta perceber as alterações carcinogénicas do HPV na orofarínge.

Carcinoma orofaríngeo e infeção por HPVO vírus do papiloma humano, particularmente o HPV-16, é um fator carcinogénico das células pavimentosas da orofaringe, assim como, o uso excessivo de álcool e tabaco. 90 por cento dos carcinomas das células pavimentosas da cabeça e pescoço associados a HPV, são referentes à estirpe HPV-16.
A infeção por HPV geralmente é adquirida por via sexual, através de contacto oral-genital, embora também possa ser por contacto boca-a-boca. Comportamentos sexuais de risco e múltiplos parceiros sexuais são considerados fatores de risco para o carcinoma orofaríngeo associado ao HPV.

Figura 1A - Carcinoma orofaríngeo in situ das células pavimentosas
Figura 1B - Hibridização in situ (HPV-16 positivo)



Figura 1C – Carcinoma do tecido epitelial pavimentoso das amígdalas (ninhos invasivos profundos)
Figura 1D – Hibridização in situ (HPV-16 positivo)


Nas figuras 1B e 1D, os pontos castanhos, correspondem ao núcleo das células cancerígenas.

O HPV-16 é um vírus muito ativo, que tem capacidade de integrar sequências do seu DNA no genoma da célula hospedeira. A expressão dos oncogenes E6 e E7, dado que têm a capacidade de induzir a transformação maligna das células infectadas, conduz à inativação dos genes supressores tumorais p53 e Rb (retinoblastoma), respectivamente. Atinge preferencialmente as amígdalas e a base da língua. As lesões causadas pela infeção por HPV-16 conduzem ao carcinoma orofaríngeo in situ das células pavimentosas, podendo evoluir, com grande probabilidade, para carcinoma invasivo.

O carcinoma in situ é uma lesão pré-invasiva, em que as alterações displásicas (crescimento desordenado) são pronunciadas e afetam toda a espessura do epitélio.
O HPV para além de causar lesão celular, induz proliferação e transformações celulares.
Paralelamente à desorganização arquitetónica, verifica-se a existência de hiperplasia patológica (mitoses atípicas), pleomorfismo celular e núcleos hipercromáticos.

O desenvolvimento do cancro orofaríngeo está associado a etiopatogenias distintas: infeção por HPV e o uso excessivo de álcool e/ou de tabaco. Os doentes com carcinoma das células pavimentosas orofaríngeas, que apresentam tumores HPV positivos têm melhor prognóstico do que os que apresentam tumores HPV negativos. Os tumores orofaríngeos HPV positivos respondem muito melhor à radioterapia e à quimioterapia, comparativamente àqueles relacionados somente ao tabaco e ao álcool.
O risco de carcinoma orofaríngeo está aumentado em mulheres com história familiar desta neoplasia. Dentição em más condições, pouca higiene oral e visitas infrequentes ao dentista são fatores associados ao aumento de risco para o carcinoma das células pavimentosas orofaríngeas. Infeções dentárias e coinfeção da colo do útero (por exemplo, chlamydia trachomatis) aumentam o risco desta neoplasia.
A vacinação contra o HPV, em ambos os sexos, é de extrema importância na prevenção, uma vez que, apesar de não abranger todas as estirpes do vírus, confere imunidade às mais agressivas. Assim, a incidência de carcinoma orofaríngeo e do colo do útero irá diminuir na população vacinada.




Anexo
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa065497



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http://141.214.65.171/Histology

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