terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alterações do tecido cartilagíneo na condromalácia

José Brites
Alterações do tecido cartilagíneo - CondromaláciaNesta publicação abordar-se-á o tecido cartilagíneo, especificamente a cartilagem hialina, que constitui a face posterior da rótula e os côndilos do fémur.
Em praticantes de determinados desportos ou atividades profissionais de impliquem impacto nesta zona do corpo, pode ocorrer uma lesão relacionada com a degeneração da cartilagem nestas duas superfícies articulares, originando-se assim a condromalácia.
Cartilagem, um tecido especial? Porquê?O tecido cartilagíneo é um tipo de tecido conjuntivo com características que lhe permitem resistir a stresse mecânico sem que isso implique a perda permanente da sua forma inicial. Isto deve-se ao facto das células que o constituem, os condrócitos (do Grego chondros=cartilagem + kytos=célula) se encontrarem em lacunas da matriz extracelular, que é composta por fibras elásticas e de colagénio de diversos tipos (dependendo do tipo de cartilagem) e substâncias como o ácido hialurónico, proteoglicanos e pequenas quantidades de glicoproteínas (composição que varia consoante o tipo de cartilagem a que nos referirmos).
Dada a elasticidade da elastina e do colagénio, a consistência espessa, porém, gelatinosa da cartilagem depende não só das ligações electroestáticas entre as fibras de colagénio e as cadeias laterais dos glucosaminoglicanos dos proteoglicanos da matriz extracelular, mas também da afinidade da água de solvatação com as cadeias negativas de glucosaminoglicanos que se estendem desde o núcleo proteico dos proteoglicanos.

Quantos tipos de cartilagem existem e onde se podem encontrar no organismo?
Dependendo do tipo de função que desempenham, podemos distinguir três tipos de cartilagem com composições matriciais diferentes: (Fig. 1)


- Cartilagem hialina: Tem um aspeto translúcido e é a mais abundante no organismo humano, apresentando grandes quantidades de colagénio tipo II (podemos encontrá-la na maioria das articulações, na cartilagem costal, nas cartilagens nasais, nos anéis cartilagíneos do sistema respiratório e nas placas epifisárias responsáveis pelo crescimento longitudinal dos ossos);


- Cartilagem elástica: Como o nome indica, este tipo de cartilagem é a mais “deformável” das três, pois possui, em conjunto com o colagénio do tipo II, uma grande quantidade de fibras elásticas na sua matriz (podemos encontrá-la no pavilhão auricular e na epiglote);


- Cartilagem fibrosa: A cartilagem fibrosa é a mais resistente das apresentadas, possuindo uma elevada capacidade de absorção de impacto mecânico (podemos encontrá-la nos discos vertebrais, na sínfise púbica e nos meniscos dos joelhos).



Figura 1 – Distribuição e tipos de cartilagem do humano adulto.
Legenda: a) Distribuição da cartilagem no humano adulto.
b) Cartilagem hialina.
c) Cartilagem fibrosa.
d) Cartilagem elástica.


Sendo um tecido avascular, como se nutrem os condrócitos?Apresentando uma vascularização praticamente inexistente, os condrócitos são nutridos principalmente pelos nutrientes difundidos pelos capilares dos tecidos conjuntivos adjacentes (pericôndrio), ou absorvendo nutrientes dissolvidos no líquido sinovial da articulação; existem ainda zonas onde a cartilagem é atravessada por grandes vasos, mas que servem apenas para nutrir tecidos adjacentes à cartilagem.
Por estas razões, o metabolismo dos condrócitos varia diretamente com a taxa de irrigação de determinado local e é, na maioria dos casos, baixo, tornando este tecido um tecido com uma capacidade de regeneração relativamente baixa.
O pericôndrio é uma camada de tecido conjuntivo denso, (acidófilo (Fig. 1a)) que apresenta nervos, vasos sanguíneos e linfáticos, rodeando a cartilagem e que faz a interface entre a cartilagem e o tecido que a suporta (no caso em estudo é o tecido ósseo). Os próprios condrócitos têm origem nos fibroblastos do pericôndrio (Fig. 2b), que se diferenciam em condroblastos a partir deste e migram em direção ao espaço articular, tornando-se condrócitos e alimentando-se à medida que se afastam, do líquido sinovial articular do qual conseguirão retirar nutrientes e oxigénio.

Figura 2 – Corte histológico e esquema de diferenciação de condrócitos.
Legenda: a) Imagem histológica de secção cartilagem hialina (200x).
b) Esquema de diferenciação de condrócitos

Review da cartilagem hialina…É, de longe a mais comum dos três tipos e também a melhor estudada. Nos adultos, a cartilagem hialina está presente nas superfícies articulares (e noutros locais já referidos) e deve o seu nome ao facto de apresentar uma cor esbranquiçada e translúcida; no embrião a cartilagem hialina serve de esqueleto temporário enquanto vai sendo gradualmente substituída por osso.
Este tipo de cartilagem apresenta uma matriz rica em colagénio, proteoglicanos (que formam agregados, os glucosaminoglicanos (GAG’s) (Fig. 3)), glicoproteínas estruturais e água.

Figura 3 – Representação esquemática das moléculas mais abundantes na matriz extra celular.

Cerca de 75% do peso líquido da cartilagem hialina deve-se à água, este alto conteúdo de água de solvatação ligada às cargas negativas dos GAG’s, torna esta cartilagem perfeita para servir de amortecedor biomecânico nos choques sofridos pelas articulações.
Os condrócitos apresentam formas diferentes consoante o seu estado de maturidade e a proximidade ao pericôndrio em oposição à superfície articular, assim sendo, próximo do pericôndrio, os condrócitos apresentam uma forma mais elíptica tornando-se mais arredondados à medida que se afastam do pericôndrio. Podem também agregar-se em grupos (até oito) a partir da divisão mitótica de um único condrócitos, grupo que se denomina de agregado isogénico e que se separa assim que se intensifica a produção de matriz.
Na cartilagem hialina, dadas as dificuldades de irrigação, a respiração processa-se com uma baixa concentração de oxigénio, os nutrientes difundem-se do sangue para o pericôndrio e deste até aos condrócitos e o transporte de água e solutos é promovido por uma espécie de bomba que funciona através da pressão e descompressão do tecido cartilagíneo durante o movimento articular. A função dos condrócitos é regulada por hormonas, sendo a síntese de GAG’s sulfatados estimulada pela hormona do crescimento, tiroxina e testosterona e inibida pela cortisona, hidrocortisona e estradiol.



Condromalácia (do Grego chondros=cartilagem + malakía=debilidade)
Para muitos a palavra condromalácia (também conhecida como dor patelo-femoral, ou "joelho de corredor") é sinónimo de:
· Dor crónica na região anterior do joelho (atrás da rótula);
· Dor a subir e descer escadas;
· Dor a sentar e levantar-se de uma cadeira;
· Dor ao manter o joelho fletido durante longos períodos de tempo;
· Dor durante a prática de exercício físico;
· Dor a conduzir;
· Dor ao pressionar (mesmo ao de leve) a rótula (Patella).
Podem ainda ocorrer outros sintomas como a crepitação e estalidos audíveis ou o derrame intra-articular.
A condromalácia é uma patologia que resulta do atrito/amolecimento/desgaste (Fig’s.4 e 6) da cartilagem hialina que reveste a face posterior da rótula e o sulco patelar do fémur, por motivos diversos: anatómicos, idade, corrida, desportos de impacto continuado na rótula, quedas em apoio sobre o joelho, rotação do fémur em relação à tíbia e perónio causando desalinhamento da rótula.


Figura 4 – Esquema de desalinhamento patelar.

Como o movimento de flexão (Fig. 5) é essencial à locomoção, por mais pequena que seja a deslocação ao início, pode transformar-se numa lesão grave ao fim de algum tempo:


Figura 5 – Movimento de flexão.
Figura 6 – Fotografias de artroscopia a rótula normal e com condromalácia.


Existem 4 graus de condromalácia (Classificação de Outerbridge):


- GRAU I: amolecimento da cartilagem.


- GRAU II: fragmentação e fissura da cartilagem numa área menor ou igual a aproximadamente 1,5 cm.


- GRAU III: fragmentação e fissura da cartilagem em uma área maior ou igual a aproximadamente 1,5 cm.


- GRAU IV: erosão da cartilagem com exposição do osso subcondral. (Fig.7)
Figura 7 – Ilustração de condromalacia de grau IV.

Sendo a rótula o maior osso sesamóide do corpo humano e se encontrar inserida num tendão é de prever que o pericôndrio que produz a cartilagem hialina tenha dificuldades em obter nutrientes, impedindo uma taxa de renovação condral semelhante à de desgaste, assim haverá uma dificuldade acrescida para a rótula em manter um nível saudável de cartilagem hialina, reduzindo-se a espessura desta, provocando a condromalácia e consequentemente, artrose.

Tratamento


O fortalecimento do quadríceps é fundamental, é necessário recuperar a potência do membro inferior, executando exercícios com um grau de dificuldade progressiva, evitando uma sobrecarga na articulação fémuro-patelar, excluindo exercícios e desportos de alto impacto (futebol, voleibol, basquetebol, corrida, ciclismo) ou atividades suspeitas de causarem a lesão. A natação é um bom exercício para manter a forma física sem afetar o joelho.
Figura 8 – Cinta de imobilização patelar.Podem usar-se cintas que impedem a mobilidade da rótula, diminuindo o desgaste (Fig.8), infiltrações com ácido hialurónico na articulação ou ainda recorrer a cirurgia de realinhamnto patelar (Fig.9).


Figura 8 – Cinta de imobilização patelar.
Figura 9 – Artroscopia com limpeza de cartilagem.

Relativamente aos fármacos, para além dos anti-inflamatórios durante os períodos de dor aguda, são aconselhados suplementos alimentares ou medicamentos que contenham glucosamina e condroitina, substâncias que ajudarão os condrócitos a repor mais rapidamente a cartilagem perdida, regenerando a zona lesada.
Bibliografia
Mescher, Anthony L.; Junqueira's Basic Histology: Text and Atlas, 12th Edition
McGraw-Hill Medical; 12 edition (August 28, 2009)
http://www.bbc.co.uk/health/physical_health/conditions/knee_cartilage.shtml
http://www.medterms.com/script/main/art.asp?articlekey=7887
http://en.wikipedia.org/wiki/Knee_cartilage_replacement_therapy#Autologous_matrix-induced_chondrogenesis
http://www.vitorcaine.com/patologias/joelho/condromalacia/condro.htm
http://clubedopilates.blogspot.com/2011/12/pilates-para-tratamento-e-prevencao-de.html

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