Margarida Silva
O artigo seleccionado para apresentação desta semana, com o título “Update on islet transplantation”, é uma revisão publicada em 8 de Maio de 2012 que nos apresenta a evidência mais recente sobre o transplante de ilhéus de Langerhans em doentes com patologia diabética. Este artigo assume particular interesse, visto que é da autoria de Michael McCall, membro do programa “Clinical Islet Transplant Program and Department of Surgery” da Universidade Alberta no Canada, um dos maiores centros de transplante de ilhéus no mundo.
O artigo seleccionado para apresentação desta semana, com o título “Update on islet transplantation”, é uma revisão publicada em 8 de Maio de 2012 que nos apresenta a evidência mais recente sobre o transplante de ilhéus de Langerhans em doentes com patologia diabética. Este artigo assume particular interesse, visto que é da autoria de Michael McCall, membro do programa “Clinical Islet Transplant Program and Department of Surgery” da Universidade Alberta no Canada, um dos maiores centros de transplante de ilhéus no mundo.
O pâncreas é uma glândula com funções endócrinas e exócrinas, estando
estas últimas directamente envolvidas na função gastrointestinal. O pâncreas
endócrino que corresponde apenas a 1-2% do total, é constituído por aglomerados
de células especiais denominadas ilhéus de Langerhans. Recorrendo a corantes específicos,
é possível distinguir a presença de quatro tipo de células: células beta
(produtoras de insulina e amilina), celúlas alfa (produtoras de glucagon),
células delta (somatostatina - inibe o pâncreas endócrino) e células PP
(poplípeptideo pancreático – inibe o pâncreas exócrino). Uma disfunção a este
nível pode conduzir a patologia diabética.
Fig.1- Imagem histológica do pâncreas (componente exócrino e
endócrino)
Importa agora caracterizar de um modo sucinto a patologia diabética. A
Diabetes mellitus é uma doença
metabólica caracterizada pelo aumento anormal de glicose no sangue, causado
pela ausência ou défice de produção e/ou ação da insulina, que conduz a
sintomas agudos ou complicações crónicas. Segundo dados da Organização Mundial
de Saúde (OMS), em 2006 existiam cerca de 171 milhões de pessoas com diabetes,
apresentando uma tendência crescente e encontrando-se já entre as cinco doenças
com maior taxa de mortalidade no mundo.
A diabetes apresenta diversas formas clínicas podendo ser classificada
em:
- Diabetes Mellitus tipo 1 (destruição
das células beta, o que acarreta ausência de insulina) – de etiologia auto-imune
ou idiopática;
- Diabetes Mellitus tipo 2 (graus
variados de secreção e resistência à insulina);
- Diabetes gestacional;
- outros tipos específicos – defeitos
genéticos na função das células β, defeitos genéticos na ação da insulina,
infeções, endocrinopatias, indução por fármacos e produtos químicos,
doenças do pâncreas exócrino, entre outros.
A diabetes do tipo 2 é a que apresenta maior incidência, com 85-90% do
número total de casos, enquanto a diabetes do tipo 1 apenas representa cerca de
8-10%.
De entre os fatores de risco destacam-se a obesidade, a hipertensão
arterial sistémica, o colesterol HDL inferior a 35 mg/dl e/ou triglicerídeos
acima de 250 mg/dl, a idade acima dos 45 anos, a diabetes gestacional ou a macrossomia
prévia e história familiar de diabetes em parentes em primeiro grau.
A tríade clássica dos sintomas é:
- poliúria (aumento do volume urinário);
- polidipsia (sede aumentada, com aumento
da ingestão de líquidos);
- polifagia (apetite aumentado).
Embora este seja o padrão clássico de apresentação da doença, podem
surgir outros sintomas nomeadamente perda ponderal de peso, cetoacidose
diabética e visão turva.
A longo prazo a diabetes pode conduzir a retinopatia diabética,
neuropatia periférica, má circulação e insuficiência renal.
Não existe ainda actualmente uma cura definitiva para a diabetes,
existindo sim, diversos tratamentos no sentido de promover uma melhor qualidade
de vida. Neste sentido o tansplante de ilhéus de Langerhans surge como uma
terapia inovadora e uma estratégia promissora no que concerne à obtenção de uma
cura para a Diabetes Mellitus do tipo1.
O primeiro transplante de ilhéus de Langerhans ocorreu em 1983 com
Watson-Wiliams e Harsant, sendo o pâncreas dador de uma ovelha e o receptor uma
criança com cetoacidose (Wiliams 1984). A descoberta da insulina e o início da terapia
farmacológica com insulina exógena remeteu durante algum tempo para segundo
plano a investigação e aperfeiçoamento de novas formas de tratamento. No
entanto, embora muitos progressos tenham sido alcançados no que concerne à
obtenção de um perfil farmacocinético mais fisiológico da insulina, existe
ainda uma pequena percentagem de doentes que apresentam flutuações intensas e
inesperadas, que podem conduzir a hipoglicemia diabética grave (hipoglicemias
assintomáticas que representam risco de vida).
O candidato a este tipo de transplante apresenta diabetes do tipo 1 há
mais de cinco anos, idade superior a 18 anos, função renal normal, peso não superior
a 60 kg, com crises frequentes de hipoglicemia severas e medicados com menos de
30 unidades de insulina por dia.
O transplante de ilhéus consiste na remoção dos ilhéus de Langerhans
do pâncreas de um dador. Na grande maioria dos casos os ilhéus de Langerhans
são removidas de um dador morto. O processo é complexo pois os ilhéus representam apenas 1 a 2% do total do pâncreas sendo o restante 98 a 99%
formado por tecido exócrino. O procedimento para isolamento dos ilhéus envolve
a injeção de enzimas digestivas, nomeadamente a colagenase, no pâncreas do
dador. Posteriormente por etapas de centrifugação e após separação dos ilhéus,
estas são submetidas a testes de sobrevivência, funcionalidade e avaliação da
capacidade de secreção de insulina.
Após o processo de purificação/isolamento dos ilhéus e respetivos testes
de função, estas são inseridas no recetor pela veia porta em direção ao fígado
onde se acomodarão e passarão a produzir insulina. A cirurgia tem uma duração
média de 40 minutos, com recuperação rápida. A cirurgia não é isenta de riscos,
podendo ocorrer trombose da veia porta, hemorragia intra-abdominal ou
peritoneal, dor abdominal, alteração das provas de função hepática e anemia.
A grande desvantagem deste procedimento consiste na imunossupressão a
que o doente transplantado tem de ser submetido. A terapia com
imunossupressores apresenta frequentemente efeitos adversos associados. De
entre os que trazem maior morbilidade aos doentes transplantados, os mais
comuns são: neutropenia, linfopenia, leucopenia, anemia, vómito, diarreia, elevação
da creatinina, infeções, herpes simples, úlceras de mucosas, febre e pneumonia.
Para que o transplante de ilhéus se possa tornar numa terapia com uma relação
benefício/risco favorável, é exigido que os benefícios do transplante consigam superar
os riscos da imunossupressão.
Uma forma de evitar a imunossupressão nos doentes transplantados é a
administração de células encapsuladas. A dificuldade deste processo está em
encontrar um material que permita o microencapsulamento das células e neste
sentido.
Para além dos riscos associados à imunossupressão, o transplante de
ilhéus é um pocesso dispendioso e em regra são necessários vários dadores
cadáveres por cada transplante, de modo a que o número de células injetadas no
recetor seja suficiente para produzir insulina nas quantidades desejadas.
O primeiro caso de independência total de insulina foi realizado por
Scharp et al em 1990, com duração de um mês, renovou o interesse pelos
transplantes de ilhéus. A investigação prosseguiu e culminou na publicação do protocolo
de Edmonton em 2000 que aumentou o interesse por esta área ao propôr:
- o uso de iunossupressão sem recurso a
esteroides;
- o transplante de uma massa maior de
ilhéus(11.000 IEQ/Kg do doente);
- não realização de cultura antes do
transplante ser efectuado.
Nos últimos 12 anos, mais de
750 doentes com diabetes do tipo1 foram já alvo deste procedimento.
Os dados mais recentes põem em evidência que a taxa de sucesso (medida
pela independência de insulina) é de 27% aos 2 anos após transplante. Observa-se
um declínio na independência de insulina até aos 8 anos após o transplante,
sendo que é mantida a produção de peptídeo-C e a proteção completa para crises
hipoglicémicas em 70% dos receptores. Aos 3 anos a percentagem de independência
de insulina está próxima dos 50%.
A monitorização pós transplante é importante para avaliar o sucesso do
procedimento, mas também como ferramenta no auxílio à gestão da terapêutica a
aplicar. É, contudo, um procedimento difícil. A monitorização pós transplante
pode ser feita de diversas formas. A biópsia em regiões aleatórias do fígado só
é bem-sucedida em cerca de 30% das tentativas. Além disso o tempo de preparação
e análise das biópsias é longo. A Ressonância Magnética Nuclear (RMN) com
recurso a compostos paramagnéticos adicionados aos ilhéus transplantadas, é um
exame que nos apresenta uma boa resolução espacial dos ilhéus mas que carece
de eficácia a longo prazo. A este exame acrescem ainda os problemas derivados
de doses elevadas de ferro no organismo. A tomografia por emissão de positrões
(PET) apresenta maior especificidade e sensibilidade relativamente à RMN e
consegue identificar a perda de ilheús no pós-transplante imediato.
Após transplante as células necessitam de um forte suprimento
sanguíneo e elevada tensão de oxigénio. A perda precoce de ilhéus
pós-transplante e a dificuldade de monitorização do enxerto conduziram à
procura de novos locais para transplante (Fig. 2).
Fig.2
– Locais alternativos para realização de transplante de ilhéus
Em resumo o transplante de ilhéus é um procedimento em
desenvolvimento, como alternativa para o tratamento da Diabetes Mellitus tipo 1 que está
na fronteira entre o experimental e o clínico. É uma terapia celular na qual as
células são implantadas em território diferente do fisiológico. O desafio é aperfeiçoar
este processo para obter os mesmos resultados que no transplante de pâncreas.
Bibliografia
Update on Islet Transplantation.
Michael McCall and A.M. James Shapiro
Cold Spring Harb Perspect Med
Published online May 8, 2012
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