Nuno Craveiro
O artigo seleccionado para apresentação desta semana, com o
título “Corticostriatal plasticity is necessary for learning intentional
neuroprosthetic skills”, foi publicado on-line na revista Nature, uma das revistas científicas mais
conceituadas do mundo, em Abril de 2012. Este artigo, co-autorado por um
Português, apresenta os resultados de uma experiência bem-sucedida sobre a
capacidade do cérebro para controlar sozinho próteses mecânicas.
Iremos perceber ao longo desta noticia de Blog, como os
cientistas conseguiram ensinar ratos de laboratório a controlar uma prótese
mecânica, cirurgicamente implantada no cérebro dos mesmos.
O objectivo da experiência era colocar cirurgicamente uma
prótese mecânica nos “ratinhos” e motivá-los na aprendizagem do controlo da
dita prótese. Para isso os cientistas trabalharam uma capacidade do sistema
nervoso central (SNC) conhecida como plasticidade. O SNC do ser humano possui
cerca de 100 bilhões de neurónios. Estes comunicam entre si através de
ligações, sinapses. O mapa de ligações é responsável pelas características e
capacidades individuais de cada ser humano. Uma vez estimulados, os neurónios
geram impulsos de natureza elétrica e libertam iões e substâncias químicas que
ao serem lançadas nas sinapses estabelecem ligações entre eles. A cada novo
estímulo, a rede de neurónios reorganiza-se, o que possibilita uma enorme
diversidade de respostas. Assim, quando um individuo é exposto a novos
estímulos, o SNC tem a capacidade de estabelecer novas conexões ou
reorganizar-se e, quando é o caso, aprender novas habilidades. Esta capacidade
parte do principio de que o cérebro não é imutável, uma vez que a plasticidade
neural permite que uma determinada função do/no SNC possa ser desenvolvida em
outro local do cérebro como resultado da aprendizagem ou do treino.
De entre as habilidades, contam-se os movimentos finos e grosseiros.
Este artigo mostra que os ratos foram capazes de “aprender” a controlar uma
prótese mecânica, que funcionou como uma extensão nova do corpo. A prótese era
um ponteiro que apenas se movimentava para a esquerda ou para a direita. E para
a controlar os ratos deveriam conseguir iniciar movimentos grosseiros (esquerda
ou direita) e posteriormente realizar o controlo “fino” desses movimentos,
parando o ponteiro em posições precisas.
Vamos então perceber como isto foi possível:
Animais
Foram utilizados na experiência 6 ratos machos Long-Evans
(com peso médio de 250 gramas).
Fig 1 – Ratos Long-Evans utilizados na experiência
Foram implantados cronicamente nos cérebros dos ratos 2
electrodos ipsilateralmente. Cada eléctrodo continha 16 micro eléctrodos que
foram inseridos nas zonas M1 e DS. A zona M1 corresponde ao córtex motor
primário em conjunto com o córtex pré-motor. As craniotomias foram seladas com
cianoacrilato e os ratos anestesiados com isoflurano. Foi ainda permitido que
os ratos recuperassem da cirurgia durante 10 dias.
Fig 2 – Implantação cirúrgica dos eléctrodos
Os eléctrodos foram inseridos de modo a medirem a actividade
da camada V (neurónios piramidais).
Fig 3 – verificação histológica da implantação dos eléctrodos
na camada V (neurónios piramidais)
A informação da actividade e local dos potenciais gerados no
córtex foi “lida” pelos eléctrodos e “refinada” através de uma aplicação
informática. A aplicação informática “limpou” o ruído presente nos sinais
gerados pelos eléctrodos e enviou a informação para um aplicador de sinais que
transmitiu os mesmos à prótese mecânica.
A prótese mecânica consistiu em um ponteiro que se poderia
movimentar em 2 sentidos (esquerda e direita). O movimento da prótese era
dependente da intensidade do potencial gerado no córtex. Para que os ratos
conseguissem ter a percepção da sua actividade no córtex cerebral, os sinais
amplificados que obrigavam o cursor a movimentar-se foram relacionados ao mesmo
tempo com a produção de um som. Assim, potenciais maiores originavam um movimento
para a direita e um som agudo e potenciais menores originavam um movimento para
a esquerda e um som grave. Quando maior fossem o potencial, maior seria a
extensão do movimento do ponteiro (para a esquerda ou para a direita) e ao
mesmo tempo maior seria a intensidade do som (agudo ou grave). O som era a
única percepção que os ratos tinham sobre as suas acções. Assim, a percepção
dos ratos seria antes a capacidade de produzir um som (mais agudo ou mais
grave), do que o movimento do ponteiro. Esta foi a forma que os cientistas
encontraram para que os ratos tivessem a percepção das suas acções.
Fig 4 – Movimentos do ponteiro e sua associação ao som produzido
A experiência
Os ratos deveriam então controlar a prótese mecânica e para
isso deveriam movimentar o ponteiro para a esquerda e para a direita e
conseguir parar o ponteiro em locais precisos durante 30 segundos de modo a
perceber se o movimento se devia ao acaso ou se era consciente.
O que motivou os ratos a iniciar estes movimentos foi uma recompensa.
Assim, sempre que os ratos conseguiam executar o movimento pretendido com
sucesso, recebiam uma recompensa. Deste modo, caso conseguissem movimentar o
ponteiro com sucesso para a direita e fixá-lo no ponto A durante 30 segundos
recebiam uma solução muito doce, caso conseguissem movimentar o cursor para
esquerda e fixá-lo no ponto B durante 30 segundos recebiam um “pellet”
proteico. De salientar que segundo a percepção dos ratos, eles estariam a
executar um som agudo de determinada intensidade (ponto A) ou um som grave de
determinada intensidade (ponto B), associando assim as recompensas à capacidade
de executar esses sons.
Sendo que os eléctrodos estavam associados ao córtex motor e
pré-motor, estes liam potenciais sempre que os ratos se movimentavam. Tendo em
conta que os potenciais originavam sons, inicialmente os ratos provocavam um
conjunto “caótico” de sons (e movimentos do ponteiro) descordenados. Mas foram
percebendo que em determinadas posições (associadas a determinados sons agudos
ou graves) recebiam recompensas. Assim, ao final de apenas 3 dias já conseguiam
atingir o objectivo e ao final de 10 dias o desempenho era quase perfeito. Isto
é perceptível pela figura que se segue que mostra a evolução ao longo do tempo
do desempenho dos ratos.
Fig 5 – Resultados – percentagem do número de tentativas
correctas em função do tempo de experiência
De modo a perceber que este comportamento não era devido ao
acaso, os cientistas desenvolveram vários testes controlo. Assim, deram a todos
os ratos a recompensa A (solução doce) até estes a recusarem antes de os
submeterem à prova. Deste modo, seria de esperar que os ratos durante a prova
apenas quisessem a recompensa B (“pellet”
proteico) e por isso apenas executassem o som grave (ou por outro prisma
apenas movimentassem o movimento para a esquerda). Repetiram o teste dando
inicialmente a recompensa B de modo a perceber se os ratos apenas iriam “pedir”
a recompensa A. Ambos os testes confirmaram que os ratos estavam a executar os
objectivos conscientemente.
Fig 6 – Teste de valorização de recompensas
Em outro teste, os cientistas retiraram ambas as recompensas
de modo a perceber se os ratos continuariam a executar os movimentos. Estes
deixaram de executar os movimentos quando percebiam que não tinham recompensa.
Apenas executavam os movimentos esporadicamente. Quando os cientistas
recolocaram as recompensas ao dispor dos ratos, estes recomeçaram a fazer os
movimentos objectivados.
Fig 7 – Teste de degradação do estímulo
Os cientistas no final da experiência confirmaram que os
ratos atingiram o objectivo inicial da experiência com sucesso e que o faziam
de modo consciente. Conseguiam movimentar uma prótese simples, apenas com 2
movimentos possíveis, mas faziam-no de modo a atingir um objectivo secundário
que era alimentar-se. Mais, escolhiam a alimentação visto que esta estava
ligada a diferentes tipos de movimentos. Esta experiência vem confirmar a
capacidade que o cérebro tem para estabelecer novas conexões e com isto
conseguir realizar novas habilidades, mesmo que se trate de um “novo” membro
como é o caso de uma prótese. Abrem-se assim numerosas possibilidades, apenas
descritas em filmes futuristas de ficção científica, como são exemplo o
controlo consciente de próteses mecânicas ou a reconstrução de movimentos
perdidos devido a lesões da espinal medula ou do cérebro, numa disciplina que
irá por certo reunir conhecimentos sólidos da histologia, fisiologia, cirurgia
e robótica.
Cada vez mais próximo!!!!
E assim se finaliza mais uma etapa no Blog Histo é
Medicina!!!! Bom trabalho a todos:
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