Ana Sofia Costa
A lesão da espinal
medula (SCI) pode ser definida como uma lesão traumática, que resulta num
défice funcional, conduzindo a uma paralisia severa e permanente. Funções e
estruturas associadas são perdidas através de um processo secundário complexo (Hernándeza
et al, 2011). Este é um problema de saúde de grande incidência na população
mundial, cujas consequências biopsicossociais podem ser devastadoras. Desta
forma, ao longo de muitos anos, tem-se assistido a um grande esforço da
comunidade científica em descobrir um processo terapêutico capaz de melhorar a
qualidade de vida das pessoas afectadas pela SCI.
A revista Science, na sua publicação do dia 1 de
Junho de 2012, apresentou ao mundo um artigo de investigação realizado pela
equipa de Grégoire Courtine, com o título “Restoring voluntary controlo of
locomotion after paralyzing spinal cord injury”, que tem gerado uma enorme
curiosidade e interesse por parte dos média e restante comunidade científica e
cultural. O resultado do trabalho de cinco anos dos investigadores da Escola
Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, foi recompensado com uma bolsa de 9M
de euros com o objectivo de dentro de um ou dois anos, realizarem ensaios em
humanos no Hospital Universitário de Balgrist, em Zurique.
Focando o desenvolvimento do estudo, esta equipa
partiu de 2 pressupostos cientificamente comprovados: 1- treino promove mudanças
neuroplásticas no SNC capazes de restaurar a locomoção na lesão severa, incompleta,
da espinal medula (EM); 2 - em combinação com a estimulação eléctrica epidural dos
segmentos lombossagrados, a reabilitação, baseada na actividade, pode restaurar
movimentos depois da paraplegia motora completa. Atendendo a estes conceitos,
eles ambicionaram restabelecer o comando supraespinhal da locomoção, através da
remodelação dos circuitos neurais poupados. Desta forma, pensaram em
desenvolver estratégias de controlo automático, por forma a melhorar os
resultados da reabilitação.
Começaram por provocar uma SCI a 27 ratinhos.
Procederam a uma hemissecção lateral esquerda a nível de T7 e a uma hemissecção
lateral direita a nível de T10, deixando um espaço de tecido intacto (T8/T9).
Os ratinhos sofreram uma perda completa das funções dos membros inferiores.
De seguida,
aplicaram um estímulo electroquímico nos segmentos L2 e S1, com um cocktail de
agonistas dos receptores dopamina e serotonina e estimulação eléctrica
epidural, por forma a activar as vias sensitivas, essenciais ao controlo da
locomoção.
Os ratinhos treinados no
tapete rolante durante 9 semanas não iniciaram movimentos voluntários no solo.
Apresentavam movimentos involuntários e até alguns paços voluntários, mas sem
coordenação locomotora. Os ratinhos treinados no solo apresentaram os primeiros
paços voluntários 2 a 3 semanas após início de treino e 6 semanas após foram
capazes de iniciar e manter locomoção por longos períodos de tempo. 2 a 3
semanas adicionais de treino conseguiam subir escadas e contornar obstáculos.
Analisando os
resultados, verificaram que ocorreu uma remodelação extensiva nas projecções
intra e supraespinhais, com aumento significativo do número de núcleos
neuronais no corno ventral e intermédio da substância cinzenta da EM. Inclusive,
as vias descendentes corticoespinhais contornaram as lesões da EM, inervando
também a substância cinzenta do lado esquerdo a nível de T8/T9. Também no
tronco cerebral foi observado um aumento na densidade de projecções corticais,
a nível dos núcleos vestibulares, substância reticular e pirâmides.
Os neurónios torácicos assumem papel crucial na restauração da locomoção voluntária, comprovado pela ablação do movimento quando a EM, a nível de T8/T9, foi injectada com receptores NMDA. O córtex motor também influencia controlo da locomoção, tendo sido aplicados vários testes para o comprovar, entre eles a administração de GABA no córtex motor esquerdo, com inibição dos movimentos voluntários. Nas duas situações os movimentos eram recuperados quando o sistema robótico estimulava o início da locomoção, demonstrando que as vias descendentes não eram afectadas, apenas o comando do estímulo.
Concluiu-se que o treino no solo (sistema
robótico+estimulação electroquímica) promove plasticidade a nível dos sistemas
axonais derivados do córtex e tronco cerebral e que potencia os circuitos
intraespinhais a nível da sua capacidade de contornar lesões e expandir
potenciais terapêuticos a outros circuitos. Os treinos passivos (tapete
rolante) promovem a plasticidade sublesão, mas não estimulam a remodelação das
vias descendentes. Os ratinhos não iniciam movimentos voluntários.
Embora demonstrados resultados únicos e promissores,
algumas questões se levantam quanto ao sucesso do futuro programa: é necessária
administração de cocktail de neurotransmissores e estimulação eléctrica (risco/benefício);
os ratos só caminhavam com patas traseiras, visto que se fossem colocados na
sua posição anatómica, as patas dianteiras arrastariam o corpo, não comandando
as patas traseiras. Ou seja, os resultados não foram obtidos na posição
biomecânica normal do corpo em questão; sem o robot e o apoio subjacente,
encontrariam os mesmos resultados?; os resultados seriam idênticos no caso de outras
lesões traumáticas?
Aqui fica demonstrado que “nada é impossível, basta
acreditar” (Christopher Reeve).
E que o chocolate tem um enorme poder motivador :-)
Bibiografia
Hernándeza, J.; Torres Espína A.; Navarro X. - Adult stem cell transplants for spinal cord injury repair: current satet in preclionical research. 2011 Set; 6(3): 273-87
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