terça-feira, 15 de maio de 2012

Regeneração cardíaca após enfarte miocárdio

Nuno Fernandes


No dia 14 de Fevereiro de 2012 foi publicado um estudo na revista The Lancet que demonstra que a administração intracoronária de cardiosphere-derived cells (CDCs) autólogas, em doentes que sofreram enfarte agudo do miocárdio (EAM), é segura e aumenta a viabilidade do miocárdio através da redução da cicatriz e simultaneamente através do estímulo de crescimento de tecido cardíaco saudável.
Este artigo tem por base um estudo prospectivo randomizado de fase 1, efectuado nos Estados Unidos (Cedars-Sinai Heart Institute e The Johns Hopkins Hospital), que tinha como objectivos avaliar a segurança da utilização de CDC’s como terapia em pacientes com EAM e avaliar a sua eficácia preliminar aos 6 meses em RMN.
Os critérios de inclusão no estudo foram EAM recente com disfunção ventricular esquerda (Fracção de ejecção 25%-45%), idade superior a 18 anos e intervenção coronária percutânea com colocação de stent com sucesso com TIMI (Thrombolysis in Myocardial Infartation) flow de 2 ou mais na artéria relacionada com o enfarte.
Os critérios de exclusão foram uma esperança de vida inferior a 3 anos, contra-indicações para fazer RMN, enfarte envolvendo o ventrículo direito (local onde são feitas as biopsias para recolha de tecido), tumor cardíaco, história de arritmias ventriculares mantidas, insuficiência cardíaca classe IV, ou tumores identificados em TAC.

Trial profile and study timeline
(A) CADUCEUS trial profile. (B) Study events and timeline. Major efficacy data are based on comparisons of the baseline MRIs and the 6-month and 12-month MRIs. Study procedures below the timeline apply only to those participants who were randomly allocated to receive CDCs, but all participants underwent the MRI studies shown above the timeline. CDC=cardiosphere-derived cell. *Two patients in the low dose group and four in the high dose group. †Delay due to investigation of contamination.


A todos os pacientes identificados como tendo sofrido EAM há menos de 30 dias foi efectuada uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN). Os pacientes elegidos para o estudo foram colocados de forma randomizada, com um rácio de 2:1, no grupo com tratamento com CDCs ou no grupo de controlo.

Nos pacientes do grupo para tratamento com CDCs foi feita biopsia endomiocardica para recolha de tecido, tendo sido este colocado em meio de cultura para obter cardiosferas e posteriormente CDCs.





Manufacture and characteristics of CDCs
(A) Process flow for manufacture of CDCs.


Depois de efectuado um estudo baseline com RMN, os CDCs foram administrados através de um catéter de angioplastia no local de bloqueio prévio da artéria relacionada com o EAM.
Foi efectuado um estudo baseline com RMN ao grupo de controlo no mesmo espaço temporal após o EAM que o grupo tratado com CDCs.
Todos os pacientes foram seguidos às 2 semanas, 1, 2, 3, 6 e 12 meses após a administração de CDCs ou tempo correspondente no grupo de controlo.
Todas as amostras de CDCs foram sujeitas a um teste de integridade citogénica através da verificação da existência do número de cromossomas adequado.
Foram efectuadas RMN no início (baseline), aos 6 e 12 meses, para avaliar a massa de tecido de cicatrização, massa de miocárdio viável no ventrículo esquerdo, tamanho da cicatriz, volumes cardíacos, função global e função regional de todos os pacientes.
Para verificar a regeneração tecidular independente dos estudos de RMN, foram feitos estudos suplementares em ratos com tamanho de cicatriz, massa da cicatriz, massa viável a partir de uma serie de secções de corações preparadas com tricromo de Masson. Os ratos foram submetidos a isquémia miocárdica anterior durante 45 minutos e 20 minutos de reperfusão seguida de infusão intracoronária de CDCs. Os corações foram analisados 3 semanas após a infusão.

Resultados: Nenhum paciente morreu ou sofreu evento cardíaco adverso major. Não foram registadas complicações no período das 24 horas após administração de CDCs.
Nos primeiros 6 meses, 5 pacientes sofreram eventos adversos (4 do grupo de CDCs e 1 do grupo de controlo), e 2 pacientes do grupo de CDCs sofreram eventos adversos no período dos 12 meses. Destes casos, todos excepto um foram considerados como não relacionados ou dificilmente relacionados com o tratamento em estudo. A excepção foi o caso de um paciente que sofreu um EAM sem onda Q que tinha recebido 25 milhões de CDCs 7 meses antes, tendo este evento sido considerado como provavelmente relacionado com o tratamento.
Após 6 meses da administração de CDCs os autores constataram uma redução na circunferência e espessura da cicatriz e um aumento de miocárdio viável, alterações que não observaram no grupo de controlo.
Aos 12 meses o tamanho da cicatriz no grupo de controlo manteve-se inalterada mas no grupo tratado com CDCs tinha sofrido uma redução. Aos 12 meses os pacientes tratados com CDCs tinham tido uma redução de 12,3% no tamanho da cicatriz. A massa da cicatriz diminui em média 28% no grupo tratado com CDCs aos 6 meses e 42% aos 12 meses, mas manteve-se inalterada no grupo de controlo.

Representative MRI and changes in scar size
Short-axis MRI of heart at baseline (82 days after myocardial infarction; A) and 6 months after CDC infusion (B) in a participant randomly allocated to receive CDCs. Short-axis MRI of heart at baseline (77 days after myocardial infarction; C) and after 6 months (D) in a control. Infarct scar tissue (green arrows) is evident by areas of hyperintensity (white) whereas viable myocardium appears dark. Difference in scar size from baseline to 6 months (E) or 12 months (F). CDC=cardiosphere-derived cell.


O estudo dos tecidos de coração dos ratos permitiram visualizar uma redução  do tamanho da cicatriz, redução da massa de cicatriz e aumento da massa viável. Não foi identificado hipertrofia na zona limite do enfarte. Os resultados observados são consistentes com restauração de miocárdio viável com novos cardiomiocitos. Estes resultados suportam a noção de que este as imagens de RMN mostram regressão da cicatriz e regeneração tecidular como resultado do tratamento com CDCs.


Myocardial regeneration in rats treated with CDCs
Representative images of Masson trichrome-stained sections of vehicle control (A) and intracoronary CDC-treated (B) rat hearts 3 weeks after treatment (scar tissue stained blue and viable myocardium stained red). Enlarged regions show striking differences in transmurality of scar and extent of viable myocardium in the infarcted region. (C) Quantification of scar size, scar mass, and viable mass in CDC-treated and control hearts. 


O estudo conclui que a terapêutica com CDCs é segura, podendo passar para a fase 2 de estudo. Concluem também que os resultados demonstram aumento da viabilidade do miocárdio, consistente com terapêutica de regeneração, merecendo a avaliação em estudos futuros.


Makkar, R. R., R. R. Smith, et al. (2012). "Intracoronary cardiosphere-derived cells for heart regeneration after myocardial infarction (CADUCEUS): a prospective, randomised phase 1 trial." Lancet.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22336189

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