Margarida Gil
“Cientistas afirmam que descobriram uma forma de transformar células de pele de pacientes com insuficiência cardíaca em células saudáveis de tecido muscular do coração.
“Cientistas afirmam que descobriram uma forma de transformar células de pele de pacientes com insuficiência cardíaca em células saudáveis de tecido muscular do coração.
A
experiência consiste em utilizar células do próprio indivíduo, o que evita
problemas de rejeição de tecidos, como explica o artigo publicado no
"European Heart Journal".” Assim começava a notícia que, no dia 24 de
Maio de 2012 foi apresentada no Jornal de Notícias
O estudo denominado “Derivation and
cardiomyocyte differentiation of induced pluripotent stem cells from heart
failure patients” (Fig. 1), demonstra que a criação de
células estaminais pluripotentes induzidas, em doentes com insuficiência
cardíaca grave, podem ser diferenciadas em cardiomiócitos viáveis e funcionais,
que integram o tecido cardíaco hospedeiro.
Fig. 1 – Artigo
em análise
As células estaminais podem ser de três tipos: embrionárias, pluripotentes
induzidas ou adultas, sendo que as suas características estão descritas na
Tabela 1.
Fig.2 – Propriedades das células estaminais
O trabalho com
células estaminais embrionárias (células ES, Embryonic Stem cells) de ratinho
abriram o caminho à investigação das células ES humanas que, dada a sua
capacidade de autorrenovação e diferenciação, têm um elevado potencial para uso
em terapia celular.
Para além das
células estaminais embrionárias, há ainda as células estaminais ‘’adultas’’,
que servem para manter as funções dos tecidos e órgãos onde estão presentes,
bem como reparar lesões nos tecidos em caso de trauma. (Fig. 3)
Fig. 3 - Fontes
de células estaminais embrionárias e adultas
Recentemente
foi descrita a criação de células estaminais pluripotentes induzidas (iPSC,
induced pluripotent stem cells) a partir de células somáticas humanas ou de
ratinho através da expressão forçada de fatores de transcrição definidos como
essenciais para a manutenção do estado de pluripotência das células ES. A
reprogramação de iPSC permite a obtenção
de células com as propriedades únicas das células ES, a partir de células
diferenciadas adultas do próprio paciente.
A
diferenciação das células estaminais humanas em cardiomiócitos surge como uma
possível solução para a regeneração do tecido cardíaco, bem como a sua
capacidade para melhorar a função cardíaca em modelos animais.
Os cardiomiócitos são as
fibras musculares cardíacas (Fig 4), normalmente uninucleadas, ramificadas, com
muitas mitocôndrias e sarcoplasma rico em colagénio.
Apresentam
discos intercalares, que fornecem pontos de fixação para as miofibrilas.
Permitem a disseminação extremamente rápida dos estímulos contrácteis de uma
célula para outra (fornecem áreas de baixa resistência elétrica para a rápida
propagação da excitação por todo o miocárdio) ® desse modo, as fibras adjacentes contraem-se quase
que simultaneamente, agindo portanto como um sincício funcional.
Fig. 4 – Tecido muscular estriado cardíaco
No
artigo em análise, é referido que a medicina regenerativa/reparativa tem
evoluído no sentido de possibilitar a recuperação tecidual após lesão,
pretendendo-se neste caso reconstruir o tecido lesado, com novas células contrácteis,
prevenindo assim a falência cardíaca.
O
estudo pretende derivar iPSC a partir de céulas da derme de doentes com
insuficiência cardíaca grave, em cardiomiócitos viáveis e funcionais. Foram
retirados fibroblastos da derme de dois doentes, ambos com cardiomiopatia
isquémica (sexo masculino, 51 e 61 anos), reprogramados para criar HF-hiPSC’s (heart
failure – heart induced pluripotent stem cells) através de infeção retroviral
de três factores de reprogramação: Oct4, Sox2, Klf4. As hiPSC’s de controlo
foram reprogramadas com células da derme de um individuo saudável.
Após
a reprogramação celular, foram realizados testes de imunomarcação para
verificar a formação de teratomas (através da injecção de hiPSC’s
indiferenciados no tecido subcutâneo de ratinhos imunocomprometidos), sequenciação
genética e análises de cariótipo. (fig. 5) A eficiência da reprogramação foi
avaliada por imunomarcação após 21 dias de cultivo e foi entre 0,014% e 0,02%. Nos
estudos de expressão genética, foram cultivadas in vitro células contrácteis já diferenciadas e adicionadas a uma
cultura de cardiomiócitos ventriculares de ratinhos neonatos. Para verificar a
capacidade contráctil das células foram realizados estudos de
electrofisiologia, bem como estimulação neuro humoral (com β-agonista para
aumentar a frequência cardíaca e agonista muscarínico para diminuir a
frequência cardíaca) (fig.6). Por fim, no transplante celular, as hiPSC’s foram
injectadas no miocárdio do ventrículo esquerdo de ratinhos (medicados com
ciclosporina 15mg/kg/dia para prevenir a rejeição do transplante). Os corações
foram retirados após 7-10 dias e crioseccionados para exame histológico.
Fig. 5 –
Derivação e caracterização das HF-hiPSC’s. A- imunomarcação das hi-PSC’s de
controlo e reprogramadas com marcadores pluripotentes. B- PCR mostra a
reactivação dos factores de reprogramação, em comparação com os fibroblastos
iniciais. C- Sequênciação do promotor NANOG das hiPSC’s em comparação com os
fibroblastos de origem. D- Coloração H&E dos teratomas formados após
injecção de HF-hiPSC’s em ratinhos.
Fig. 6 –
Estudos electrofisiológicos. A, B – registo extracelular de actividade
electrica das HF-hiPSC’s cultivadas. C – O mapa de activação. D – Comparação
entre frequência de batimentos entre as células de controlo e as HF-hiPSC’s já
diferenciadas em cardiomiócitos.
Concluiu-se
que:
- Os hiPSC’s podem ser originados a
partir de fibroblastos da derme em doentes com IC avançada, utilizando uma
reprogramação com três factores: Oct4, Sox2, Klf4;
- Os HF-hiPSC’s podem ser
diferenciados em cardiomiócitos com propriedades moleculares, estruturais
e funcionais;
- A eficiência e capacidade de
diferenciação dos hiPSC’s, bem como as propriedades fenotípicas são
comparáveis quando utilizados fibroblastos de doentes com IC ou de
indivíduos saudáveis;
- Os HF-hiPSC’s conseguem integrar o
tecido cardíaco pré-existente;
- Os HF-hiPSC’s podem enxertar,
sobreviver e integrar estruturalmente com o tecido cardíaco hospedeiro,
num transplante in vivo. (Fig 5)
Fig. 7– Transplante
in vivo de HF-hiPSC’s. Anticorpos
anti-mitocôndria humana, utilizados para imunomarcação para verificar a origem
humana nos miocárdio de ratinhos (verde, A); fenótipo de cardiomiócitos humano
confirmado por imunomarcação para α-actinina sarcomérica (verde, B); estrias
musculares cardíacas a serem formadas (B); desenvolvimento de gap junctions
entre as HF-hiPSC’s do dador e do ratinho (C).
Comprovou-se assim que as células estaminais
pluripotentes induzidas podem ser formadas a partir de células de doentes com
insuficiência cardíaca avançada e diferenciadas em cardiomiócitos viáveis e
saudáveis.
Bibliografia
.
BRAGANÇA,J.,
TAVARES, A., BELO, J., Células estaminais
e medicina regenerativa- um admirável mundo novo, Departamento de Ciências
Biomédicas e Medicina, UALG, Faro.
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